domingo, 24 de outubro de 2010

Dizer não é dizer sim?

Um grande amigo irmão que mora em Montreal e trabalha com educação física no Canadá sempre conta uma história sobre o "jeito quebecois". Acho que a história é interessante e ilustra muito bem uma diferença fundamental entre o Quebec (ou Canadá) e o Brasil.

Em seu emprego anterior, ele trabalhava como instrutor de natação e salva-vidas no YMCA. Dava aula para alunos dos 8 aos 80 anos. Falando sobre as "frescuras" ou esquisitices do povo local, ele conta que estava dando as instruções iniciais para um grupo de pirralhos crianças prestes a entrar na piscina. A coisa ia mais ou menos assim:

- Crianças, prestem atenção. Aqui na piscina não pode correr. Não pode mergulhar. Não pode empurrar o amiguinho na água. Não pode fazer xixi na água. Não pode...

Neste ponto ele é interrompido por outro professor que batia no vidro Ele o chamou e disse algo como:

- Isso não está certo. Você só fala para as crianças o que elas não podem fazer. É só não, não e não. Não tem como você ser mais positivo e dizer o que elas podem fazer???

Sempre que ele contava a história, ríamos do exagero dele, e da frescura do professor com essa coisa do positivo e tal. Sempre me fez sentido, achava mesmo frescura.

Mas recentemente comecei a mudar de ideia e entender mais essa diferença.

Lendo o jornal de SP, ví que caminhoneiros reclamavam da proibição de trafegar em muitas ruas de São Paulo. Ele argumentava que estava ficando sem opções de rotas para levar as mercadorias. A prefeitura de São Paulo vem, sistematicamente, probindo tráfego de caminhões para aliviar o trânsito. A ideia parece boa (ao menos pra mim, que não dirijo um caminhão), mas vamos analisar melhor.

O poder público, de forma geral (e especialmente em São Paulo) é especialista em criar regras para o povo. Regras e proibições. A contrapartida é que parece nunca vir. Por exemplo: A poluição e trânsito de SP é ruim. Ao invés de investir em parques e transporte coletivos, cria-se o rodízio de placas (restringindo seu direito à circular de carro). O caminhão atrapalha o trânsito. Ao invés de criar mais estradas e ferrovias, proibe-se o caminhão. Tempos atrás, motoboys com garupa assaltavam no trânsito. Ao invés de se prender os bandidos, cogitou-se proibir os garupas!!!

Observem as placas de trânsito a seguir:

 

A primeira placa, brasileira, nos diz o que NÃO devemos fazer. A segunda placa, canadense, diz o que PODEMOS (ou devemos) fazer. Ambas dizem exatamente a mesma coisa, mas de formas bem distintas.

O que quero dizer é que somos acostumados em conviver com "nãos" no Brasil. E acho que, talvez por isso, tenhamos essa a mania de sempre achar um jeito para quebrar regras. Sempre que aparece alguma coisa nova, serviço, produto, etc... Rapidamente pensamos: Mas se eu fizer isso, isso e aquilo, dá pra burlar assim! (evidentemente não são todos que o fazem, mas a maioria sabe como fazer se quiser)

E em um lugar com poucos "malandros" como o Canadá, nos espanta a facilidade de burlar as regras. Por exemplo: Quer andar de trem/metro sem pagar? É mole! Quer furar uma fila pra fazer qualquer coisa? Fácil! E acho que é por aí...

Penso que somos forçados a aprender como dar a volta nas regras para sobreviver no Brasil. No Canadá, acho que as regras são mais facilmente seguidas porque fazem mais sentido, e assim os habitantes não dispensam muito tempo pensando em como "dar um jeito". E disso sim eu sinto saudade.

Me faz falta a "falta de necessidade" de dar um jeito em tudo para sobreviver.

8 comentários:

  1. Bem observado Adilson!!!

    Serenity Now! :-)

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  2. Ó, a minha experiência me diz que essa coisa deles explicarem a coisa através do permitido é pura e simplesmente por conta da auto estima. Porque vc proibir é forte demais pra pessoa e pode causar desconfortos e blábláblá....Pelo menos é isso o que eles ensinam no curso de pedagogia. E fato é que qdo vc fala que vc pode fazer isso ou aquilo na piscina ao invés de falar o pouco que nao se pode fazer, isso deixa eles meio tontos e incapazes de explorar as possibilidades.
    Mas isso é aqui num país culturalmente diferente, não acostumados com problemas de verdade...
    Renatinha

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  3. ps do comentário anterior: o seu amigo citado no post é o mais lindo do mundo de todos os tempos de todas as galáxias da vida!!!!!

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  4. Adilson,
    Volta logo pro Quebec,cara.!

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  5. Adilson, acertasse na mosca. No Japão é igual. Lá eu senti que a confiança vem primeiro que a desconfiança. No Brasil é o contrário.
    Quando vc estabelece o limite do que nao pode, todo mundo só faz o mínimo. Quando vc diz o que pode, quando a dúvida aparece as pessoas se guiam pelo que entendem ser o mais certo. A distancia entre o mais certo e o mínimo é que separam o Canada do Brasil. Sacou?

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  6. corrigindo: A distancia entre o mais certo e o mínimo é que separa o Canada do Brasil.

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  7. Adilson,
    O rodeio das gordas é um bom tema para seu blog.
    Abs
    Joaquim

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  8. Muito bom sô Adilson, mais uma postagem muito boa. Realmente tem tudo a ver com a cultura, e o que o Luciano escreveu tb tem tudo a ver. Continue postando porque sempre aprendemos com seus comentarios.
    Grande abraço, apesar do seu Palmeiras ter tirado nosso Galo da Sulamericana...
    Rafael

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