quinta-feira, 22 de julho de 2010

Voltar, nem pensar

O discurso do imigrante “canadense” é mais ou menos padrão (e nessa ordem): “imigrar pra fugir da violência, corrupção discarada e ir em busca de qualidade de vida”. Como parte da regra, o meu não era muito diferente disso, embora na época não soubesse ao certo o que era essa tal “qualidade de vida”.

Durante o processo de imigração, e consciente de que processo é muito mais do que os trâmites legais, mas um preparo intenso, li o livro que dá nome a esse post – “Voltar, nem pensar”. Trata-se da história de um jornalista inglês que, cansado da rotina de sua vida, mudou-se com sua família para o interior da Espanha em busca de – adivinhem! - qualidade de vida.

É possível pra qualquer um entender o porquê de um brasileiro, um peruano e um haitiano quererem se mudar para o Canadá, mas pra quem já teve a oportunidade de conhecer, pelos menos as capitais daqueles países, a ideia do inglês chegava parecer loucura.

É difícil entender completamente aquilo que é tão abstrato pra nós. É o mesmo que dizem do frio dos polos. É muito frio, de um frio tamanho que não adianta querer explicar, só sentindo na pele, literalmente, pra saber. (Pense que a temperatura do freezer da sua casa é agradável perto dele). Dois anos de Canadá e, de volta ao Brasil, hoje é fácil compreender na sua integridade o discurso dos imigrantes e, mais ainda, a aparente insanidade daquele jornalista.

A qualidade de vida é mais ou menos isso. Não tem como explicar. Só quem já passou pela experiência sabe o que é. A diferença é que, ao contrário do frio, ela torna o processo de “desimigração” muito mais difícil e doloroso. Se antes a regra era violência, corrupção e qualidade de vida, agora posso dizer que a ordem dos fatores altera, com certeza, o resultado das coisas.

O processo de “desimigração” começou no Canadá. Pela família, até seria possível conviver com a violência. Uma vez que nunca sofrera nenhuma violência física direta, embora pense que o medo de vir a sofrê-la é uma violência psicológica maior, com alguma terapia seria possível suportá-la. A corrupção, por sua vez, é o preço que literalmente pagamos pra estar com os entes queridos. Agora, não sei se por hábito de já conviver com ela ou por pura ignorância em acreditar que, uma vez que os outros dois problemas estavam “resolvidos”, ela viria automaticamente, embora eu garanta que não tenha vindo, a qualidade de vida foi negligenciada e, se hoje eu tivesse que citar um único motivo pra voltar, certamente ela reinaria triunfante.

4 comentários:

  1. Olá, gostei dos seus posts. Já tinha lido alguns blogs de pessoas que voltaram, mas a maioria fala com um ressentimento ou mágoa que incomoda a leitura. Gostei de como vc relata suas histórias. Parabéns!!

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  2. É... O "erro" foi termos conhecido e vivenciado essa tal qualidade de vida... :-) Se não a conhecessemos nunca teríamos essas dúvidas...

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  3. Estou ainda no BR.. mas pretendo ir para o Canadá... sinceramente não posso compreender todo o sentimento que passará por mim lá, acredito em uma coisa.. casando estarei estabelecendo uma nova Familia (a minha familia) e sem desconsiderar o valor e a existência da Familia que me criou eu me questiono aonde eu gostaria de criar e ter a minha familia... envolvida em qual cultura.. em quais valores... , por exemplo hoje meus avós não tem já os pais e nem os irmãos deles eles tem somente os filhos e netos... não lamento ter nascido e crescido no BR, mas será que eu não posso prover um futuro melhor para os meus filhos e netos começando minha familia no Canada?! Esse é um questionamento que faço e acho que vou fazer por muitos anos.
    Abraços!

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  4. meu *desimigramento* durou exatos 5 meses. Nao guentei, voltei pra terra fria.
    sucesso ai em SP... e muita, muita paciencia

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